Mensagens de ódios deixadas pelos vizinhos israelenses dos milhares de Palestinos que vivem em Hebron.
|
A pichação mais comum de todas: "Morte aos árabes" em hebraico. Aqui ao lado da porta de entrada da Escola Fundamental Cordoba para meninos e meninas palestinas. |
Hebron é uma cidade divida entre duas comunidades: a comunidade árabe palestina de um lado, e a comunidade judia israelense de outro, estabelecida após a ocupação israelense da Cisjordânia em 1967.
Desde o princípio, essa última foi estabelecida para "restaurar" a presença judaica na cidade do Patriarca Abrãao, portanto, uma das cidades mais sagradas para o judaísmo (segundo alguns dos colonos, a mais sagrada). Até ano de 1929, havia uma comunidade judaica em Hebron, que foi dali evacuada após um massacre cometido sobretudo por palestinos das aldeias ao redor. Assim, a iniciativa de estabelecer ali assentamentos judaicos é de um determinado ponto de vista legitimada, em um primeiro momento, pelo que seria uma reivindicação de um direito de retorno. Entretanto, poucos colonos podem sequer provar uma vaga ligação com aquela antiga comunidade, sendo que muitos descendentes dessa são contra os assentamentos. Não obstante, no raciocínio dos colonos, uma propriedade uma vez pertencida por um judeu, pode ser reclamada por qualquer outro judeu, caso essa seja tomada por um não-judeu. No fundo, para os colonos, pertence aos judeus toda a "Terra Santa", que pode ir das margens do Eufrates ao Nilo, mas no qual a Judéia (sul da Cisjordânia) está invariavelmente no centro. Isso significa que os palestinos não tem direito nenhum aquele território e inclusive podem ser expulsos dele. A ideologia religiosa desses colonos prega a limpeza étnica de toda terra de Israel, sendo que essa terra deve ser apenas dos e para os judeus de todo mundo, tendo qualquer outro povo no máximo o direito de permanecer como convidados. Para os mais radicais, a limpeza étnica não é o suficiente, e muitos desses fazem abertamente apologia ao genocídio dos "árabes" (pois não aceitam o termo palestino). Esse é o caso de muitos colonos de Hebron, que abertamente picham mensagens de ódio e ameaças de morte a todos os "árabes".
|
Pichação dentro de uma casa palestina abandonada e incendiada há cerca de dez anos por colonos israelenses. Em inglês "Maomé é um porco" |
No colina de Tel Rumeida, de frente para o assentamento de Beit Hadassah, encontra-se uma casa abandonada. Mais precisamente, uma casa onde a família foi expulsa, pelo abuso dos colonos e também pelos ou por conivência dos soldados que estabeleceram um posto de vigia acima de sua casa. Após terem sido forçados a sair, os colonos vieram ali, vandalizaram e incendiaram a casa. Não sendo o bastante, picharam a casa com uma série de mensagens de ódio: "morte aos árabes", "vingaça contra os árabes" e "maomé é um porco". Há também um desenho de um árabe de kefiya e nariz adunco sendo enforcado. A família, que ainda é legitimamente dona do imóvel, é probida pelo exército israelense de voltar a sua casa.
|
Símbolo do movimento KACH como da Liga de Defesa Judaica
Está escrito "Kahane vive" |
O antigo partido banido em Israel, KACH, que siginifica em hebraico "assim", e a Liga de Defesa Judaica, nos Estados Unidos, foram fundados por Meir Kahane, um judeu radical de Nova Iorque que imigrou para Israel. Muitos dos colonos em Hebron são de origem americana, especialmente de Nova Iorque. O movimento se fundamenta na idéia de que os judeus são sempre os bodes expiatórios de todo o mundo ("o mundo inteiro está contra nós") e que a terra de Israel (da qual a Cisjordânia faria parte) deve pertencer somente aos judeus, como seu único e legítimo refúgio. Isso significa também a limpeza étnica de todos, ou quase todos, os "árabes" de Israel. Alguns chegam a declarar que aceitariam a presença de árabes no máximo como convidados. Tanto o banido partido KACH, quanto a Liga de Defesa Judaica, são considerados organizações terroristas por Israel e pelos Estados Unidos. Em Israel, iniciamente o partido KACH foi banido das eleições em 1988 por ser considerado um partido racista, de acordo com uma lei israelense passada naquele mesmo ano. Kahane, após ser impedido de participar das eleições em Israel devido a acusação de racismo, foi assassinado em Nova Iorque no ano de 1990. Após um de seus membros, o médico e colono Baruch Goldstein, ter massacrado 29 palestinos na Mesquita Ibrahim em Hebron no dia 25 de fevereiro de 1994, o partido KACH e a Liga de Defesa Judaica foram considerados organizações terroristas. Entretanto, os líderes e filiados desse movimento, ainda que alguns não o sejam hoje tão abertamente, continuam perambulando livremente num dos maiores centros urbanos da população que desejam expulsar, em um dos locais que consideram mais centrais nessa empreitada, a cidade de Hebron, Chevron em hebraico, Al-Khalil em árabe.
|
Em inglês "Árabes são 'negros da areia'" - Rua Shuhada |
Apesar de terem uma ideologia extremista particular, os colonos não estão numa posição oposta ao sionismo ou mesmo a opiniões predominantes em Israel. Embora possam ser vistos por boa parte do público israelense minimamente informado como fanáticos e malucos, os colonos seguem até as últimas consequências a idéia sionista de criar um Estado judeu e agem de acordo com sentimentos preconceituosos em relação aos palestinos compartilhado por muitos israelenses. Não significa dizer que por isso suas ações mais extremas sejam aceitas pela maior parte do público israelense, que sequer é bem informado (ou quer ser informado) sobre o assunto. No entanto, mesmo que o comportamento dos judeus de Hebron fuja da regra, quando não vai diretamente contra ela, e do aceitável em Israel, a presença de um assentamento judaico em Hebron é algo aceito pelo senso comum, mainstream digamos, senão, ao menos o controle do local onde encontra-se o segundo santuário mais sagrado ao judaísmo, a Caverna Machpela. A inclusão desse santuário ao patrimônio cultural e religioso de Israel, embora esteja em território ocupado, não anexado por Israel, gerou protestos da comunidade internacional e manifestações (até com arremessos de pedra) por parte dos palestinos de Hebron.
|
"Killing arabs is fun!" = "Matar árabes é divertido!" - Rua Shuhada |
Apesar de refletir vários elementos do sionismo e da sociedade israelense, a ideologia da comunidade judaica de Hebron e Kiryat Arba (como de muitos outros assentamentos espalhados pela Cisjordânia) defende métodos e tem objetivos que não só diferem, como contradizem ideais e valores que o Estado de Israel supostamente representa ou deveria representar. Quanto aos métodos, a prática de vandalismo realizada pelos colonos contra residências, mesquitas, platações, oliveiras, animais de criação, pertencentes aos palestinos, não é visto como compatível com o ideal de civilização, com o monópolio da violência e regime das leis que Israel deveria assegurar, já que em grande medida o assegura para seus cidadãos judeus. Quanto aos objetivos, o pensamento ideológico-religioso dos colonos de Hebron defendem a restauração de um Reino da Judéia, sob um regime teocrático, algo definitivamente incompatível com qualquer forma de democracia e/ou de um estado liberal.
Graffiti representando o Segundo templo reconstruído numa barreira entre o antigo Souq de Hebron e a rua Shuhada, essa última um local onde palestinos são proíbidos de entrar e andar.
O sionismo religioso predominante no assentamento de Hebron, como em outros assentamentos no interior da Cisjordânia, contradiz não somente alguns aspectos do sionismo secular dos fundadores de Israel, mas vai na contramão do judaísmo tradicional, que não apenas considera um sacrilégio a restauração da soberania judaica antes da chegada do messias (o sionismo), como ainda mais a reconstrução do segundo templo. Sequer pisar no Monte do Templo, antes da vinda do messias, é permitido dentro da crença tradicional e por si só viola uma das obrigações religiosas. Antes da entrada para Esplanada das Mesquitas aberta a turistas, há um aviso dizendo que judeus religiosos não devem entrar no templo. Já para muitos colonos ideológicos e seus simpatizantes, esse é o lugar mais sagrado do judaísmo e, por isso, está sendo profanado pelos muçulmanos, que deveriam ter seus santuários varridos dali e proibidos de adentrar no Monte do Templo ou mesmo em toda Terra Santa de Israel. Após a ocupação israelense de Jerusalém oriental em 1967, houve várias tentivas de explodir ou incendiar a Mesquita Al-Aqsa, sendo impedidas seja pelas autoridades israelenses, seja pela rápida reação dos palestinos, que conseguiram apagar um incêndio provocado por um turista australiano radical no início da década de 1980 antes que causasse mais dano à mesquita.
|
Estranhamente familiar |
A ideologia religiosa dos colonos de Hebron não se limita aos 500-800 que vivem no centro histórico dessa cidade. Ela é compartilhada por cerca de 20% de todos os colonos na Cisjordânia e também por judeus dentro de Israel e em outros locais do mundo, especialmente nos Estados Unidos da América. Isso significa, que de uma população de 450-500 mil colonos atualmente vivendo na Cisjordânia, por volta de 100 mil seriam colonos ideológicos. A distribuição espacial dessa população também é um fato importante a se notar, pois embora haja por volta de meio milhão de colonos na Cisjordânia, a maiora está localizada no lado oeste da barreira de separação, a maioria nos arredores de Jerusalém. Além disso, ali também se localiza a grande maioria dos colonos econômicos, que vieram morar no outro lado da Linha Verde (as fronteiras do Armísticio entre Jordânia e Israel de 1949) devido aos subsídios econômicos, não por uma razão ideológica em particular. Muitos não sabem, ignoram ou não querem saber que estão violando a lei internacional ao se assentarem em um território ocupado. Eles vem morar nos Territórios Ocupados, pois ali podem comprar uma casa com o dobro do tamanho e metade do preço, com excelentes condições de pagamento, além de poderem desfrutar de uma série de subsídios, o que economicamente seria contraditório com o alto custo do aparato militar utilizado para protegê-los, além de toda infraestrutura (autoestradas, encanamento, postes de eletrecidade) apenas para servir a uma população que representa por volta de 5% da população total do país, ou quase 10% de sua população judaica. Já para os colonos que se situam além do muro de separação, que encontram-se no meio dos territórios palestinos ocupados, o grau de investimento em segurança e infraestura é ainda maior. Interessantemente, é ali onde está a maior parte da população colona ideológica, no topo de colinas próxima a vilarejos e populosas cidades palestinas, que tem pouco ou nenhum acesso a onerosa infraestrutura construída para tão exígua população, sem contar o gigantesco aparato militar que serve para protegê-la. Não bastasse a fragmentação do território palestino que as colônias causam, elas são construídas em terras públicas, que deveria ser utilizada em nome do público local, ou mesmo em terras privadas. A "necessidade" de proteger os assentamentos leva as autoridades israelenses a tomarem mais espaço para criarem áreas de segurança para os assentamentos. Em Hebron, muitos postos militares foram construídos acima de casas palestinas. Os colonos ideológicos que vivem no interior da Cisjordânia, e que são protegidos e subsidiados pelo governo israelenses, são as pessoas que mais cometem atos criminosos contra palestinos, como agressões físicas, incêndio de casa e de platações, raríssimas vezes sendo punidos por qualquer um desses atos. A impunidade, somada a conivência e o subsídio governamental, que goza um grupo de pessoas que abertamente clamam pelo expulsam ou genocídio de uma população inteira, isto é, dos palestinos, dificilmente é compatível com um sistema de direito democrático. Entretanto, apesar dos pesares, assim se julga Israel, mesmo ocupando um território por mais de quarenta anos sem dar direitos políticos a população desse, apenas a população israelense que ali habita, infringindo a lei internacional.
|
Pichação dos colonos, com uma mensagem não muito clara: "Libertem Israel"
Ativistas adicionaram (libertem) "a Palestina de" (Israel), palavras sob a qual foram pichadas estrelas de Davi |