sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Todos os caminhos leva(ria)m a Jerusalém




A "travessia" para Jerusalém Oriental vindo do resto da Cisjordânia é um verdadeiro périplo cotidiano para muitos palestinos. O mesmo acontece em menor grau para estrangeiros que se aventuram a ir da Cisjordânia para Jerusalém Oriental (considerando-as separadamente). Tomando de minha experiência pessoal, lembro-me de quando atravessava a divisão entre Jerusalém oriental e o resto da Cisjordânia, a distância percorrido e o tempo gasto variavam muito dependendo do local de onde vinha. 

Se viesse de Hebron, ao Sul, poderia tomar um taxi ou uma vã especial que passava direto, mas não estava sempre disponível e custava o dobro do preço da outra alternativa, que era tomando uma vã normal para Beit Jala e de lá para Jerusalém. Por essa alternativa, poderia tomar um ônibus especial em Beit Jala que passaria por um outro ponto do posto de controle de Gilo, onde só era necessário descer do ônibus, andar em uma fila, enquanto a polícia de fronteira checava o ônibus, passar por uma porta giratória e voltar para o ônibus. Se escolhesse a opção mais barata, eu poderia tomar uma vã normal em Hebron que pararia na entrada do posto de controle de Gilo. Aí teria de atravessá-lo como qualquer outro palestino, exceto que não os soldados não me trariam como tal.

Caso viesse pelo norte da Cisjordânia para Jerusalém Oriental, pelo posto de controle de Qalandya, teria somente duas opções. Uma seria atravessar o posto como qualquer outro palestino, só sendo diferente o tratamento que receberíamos por parte das forças de segurança. A outra seria através de um ônibus especial (o ônibus nº 21) que me deixaria em uma fila, onde passaria por uma porta giratória, por um detector de metais, por uma máquina de raio-X para bagagem e por uma cabine onde um ficava um soldado atrás de um vidro à prova de bala, que pediria para que eu lhe mostrasse o passaporte. Depois sairia passando por outra porta giratória e tomaria outro ônibus, pois aquele que tomei já teria partido, mas poderia utilizar o mesmo bilhete de passagem. Havia também a possibilidade para estrangeiros, tanto para quem vem do sul, quanto para quem vem do norte, de utilizar outros postos de controle que ficam no sinuoso caminho entre as íngremes colinas da Judéia, a leste de Jerusalém. Porém, isso consumiria muito tempo e dinheiro, sendo necessário por vezes tomar três ônibus diferentes para se chegar a um desses outros postos de controle.

Enquanto isso, os colonos israelenses nos territórios ocupados da Palestina tem livre passagem por vários postos de controle, estradas sem barreiras, cancelas, bloqueios, etc. Um turista que viaje em um carro com placa israelense ou nos ônibus exclusivos para israelenses dentro da Cisjordânia, pode muito bem desfrutar da maior parte dessas facilidades. Porém, caso resolva visitar alguma cidade ou vila palestina, não terá como tomar um desses ônibus, a menos que haja um ponto de ônibus de uma colônia israelense na estrada próxima, que estará certamente muitos metros ou quilometros do centro de qualquer vila ou cidade palestina. A excessão é Hebron, cujo assentamento está encravado no meio da cidade, ao redor do centro histórico e do Santuário dos Patriarcas. Ali há ônibus israelenses que passam pelas ruas exclusivas para colonos e/ou proibidas para palestinos andarem ou dirigirem.

Enfim, nessa encruzilhada em que se encontra a Palestina atualmente, uma viagem a sonhada capital do "futuro Estado da Palestina" diz muito sobre a atual situação e a perspectiva de paz. Visitar Jerusalém é um desejo compartilhado igualmente por palestinos e israelenses. Entranto, a possibilidade de realizar esse desejo é um direito universal apenas para o último. Para os palestinos, é um privilégio ao qual poucos têm acesso... um árduo e desgastante acesso para maioria desses "privilegiados".

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Barreiras de Hebron



Atualmente, existem por volta de 122 barreiras na área sob controle israelense de Hebron (H2), sobretudo ao redor da cidade antiga de Hebron, onde se situam os assentamentos israelenses de Avrahan Avinu, Beit Romano, Beit Hadassah e Tel Rumeida. Elas servem sobretudo para impedir ou limitar o acesso de palestinos às ruas que dão acesso a esse conjunto de assentamentos, em alguns pontos apenas à veículos palestinos, em outros também a pedestres. Em especial, a rua Shuhada está em grande parte completamente "esterilizada", para usar o jargão das forças de defesa israelense (FDI ou IDF em inglês), apenas um trecho inicial, até a frente do assentamento de Beit Hadassah, está aberto aos morados locais palestinos para andarem a pé. As limitações e dificuldades que todo esse conjunto de barreiras e postos de controle trazem aos palestinos diariamente não podem ser expressar em números. As imagens abaixo tentarão trazer uma visualização.





Posto de Controle 56 - Entrada para Rua Shuhada, cujo acesso é em sua maior extensão completamente proibido para palestinos




Posto de Controle 55 - Desse ponto em diante, nenhum palestino pode caminhar na rua Shuhada




Rua Sahle - Dividida entre israelenses (à direita) e palestinos (à esquerda)




O Posto de Controle Al-Haram ou de Abed (lojista local) 

Posto de Controle da "Farmácia" - Acesso do sul de Hebron para o Santuário dos Patriarcas




Posto de Controle de Bab al-Baladia - Impede o acesso vindo do norte a rua Shuhada e ao assentamento de Beit Romano (na foto)


Barreira fechando a antiga "Rua do Ouro", onde costumava se concentrar várias joalherias


Barreira dentro da Casbah de Hebron, impedindo o acesso ao antigo mercado central de Hebron, atualmente o assentamento de Avraham Avinu

Barreira fechando o acesso do antigo mercado de aves a Rua Shuhada


Portão barrando o acesso ao antigo mercado central de Hebron, atualmente o assentamento de Avraham Avinu

Postos de Controle para acessar a Mesquita Ibrahimi a partir do suq (mercado)



Segundo posto de controle para acesso a Mesquita Ibrahimi (para Palestinos, são ao menos três no total)


Cancela e  Posto de Controle barrando completamente um dos acessos a Mesquita Ibrahimi


Porta giratória na saída da Mesquita Ibrahimi


Barreira impedindo acesso da Rua Shalalah para Rua Shuhada,






sábado, 22 de outubro de 2011

Uma história hebronita

 Passado um mês em que conclui meu último dia em Hebron, resolvi contar uma história pessoal em primeira pessoa. Anteriormente, em nenhum momento nesse blog, utilizei a primeira pessoa, preferindo dar relatos impessoais de uma situação mais abrangente, escrevendo muito mais sobre números, estatísticas e dados sem nenhuma face. Tinha a intenção de descrever a situação como um todo, o contexto de todas as inúmeras tragédias individuais. Não queria fazer desse blog uma coleção de anedotas. Entretanto, tive que me render ao fato de que sempre a nossa vida, constituída por experiências pessoais, tende a trazer muito mais a marca dessas experiências, do que dados abstratos. Obviamente, por mais que tenhamos como valor a vida humana de modo geral, não criamos verdadeiros laços sentimentais e emocionais com números abstratos e estatísticas, pois afinal de conta, somos todos indivíduos, não seres oniscientes. Talvez de modo cínico como na frase de Stalin "uma morte é uma tragédia, um milhão de mortes é uma estatística", mas também de outro modo, reconhecendo a realidade humana limitada, que inevitavelmente cria conexões, preferências. No alvorecer da humanidade, o horizonte de cada ser humano estava limitado a comunidade a seu redor, da qual poderia ter laços pessoais com todos seus membros. Assim o é de modo geral com as comunidades humanas isoladas de hoje. O que apenas difere esses grupos das sociedades modernas é a consciência de uma humanidade mais ampla, de uma realidade muito mais além da experiência pessoal, da qual sabemos, mas não a vivemos totalmente. Portanto, nossas emoções e sentimentos, por mais que se identifique com realidades maiores e distantes, permanecem ancoradas num existência individual, ainda que virtual. Tudo depende de como incorporamos seletivamente o mundo a nossa volta ao nosso ser. Atrela-se mais facilmente ao ser aquilo ao qual os laços são mais profundos, constituídos por uma vivência. A experiência pessoal, entretanto, é algo com capacidade de sintetizar todos esses elementos, conscientes e inconscientes, racionais e emocionais. Ela tem o poder de uma só vez tornar-se parte do nosso ser. É a contingência, esse ininterrupto e sempre singular acontecer, que constituí a unicidade de cada uma de nossas vidas. Desse modo, relato abaixo algo que fez parte da minha.

O antigo mercado (souq) de Hebron

 Era um domingo, dia 24 de Julho, e meu grupo estava planejando visitar uma família que vive na Casbah, o centro histórico de Hebron, em frente ao assentamento de Avraham Avinu e que por isso sofre abusos tanto de colonos quanto dos soldados que os protegem. Quando estavamos para sair, recebemos um telefonema, dizendo que havia soldados na Casbah, isolando uma rua e impedindo a passagem aos transeuntes. Saímos então com certa pressa e pouco tempo depois chegamos ao local, talvez vinte ou no máximo trinta minutos após tudo ter começado. Passamos pela praça em frente à Bab al-Baladia, que fica em frente ao assentamento de Beit Romano e seguimos para dentro, pela rua al-Haram (rua do Santuário). Há uma pequena praça nessa rua e ao lado esquerdo de que vem em direção a Mesquita Ibrahim (o Santuário dos Patriarcas) e então vimos um pequeno aglomerado voltados para uma estreita rua que sobe para a área residência da Casbah. Ali encontramos observando quatro soldados israelenses que estavam bloqueando o caminho alguns membros da TIPH (Temporary International Presence in Hebron), uma presença internacional de status diplomático criada pelos tratados de Oslo para monitorar a situação dessa cidade. Fomos informados por eles que por volta de quinze soldados israelenses ali tinham chegado aproximadamente meia hora antes. Apenas quatro estavam barrando a passagem por aquela rua, estando os outros dentro da casa, revistando os cômodos, provavelmente.

Crianças palestinas sendo impedidas de passar pelos soldados israelenses que bloqueavam a rua

 Ao ver que toda movimentação por aquela estava sendo barrada pelos soldados ali presentes, mesmo para mulheres e crianças, resolvi dar a volta e checar o outro lado. Para fazer toda a volta era necessário voltar para entrada do souq, vários metros atrás, ou seguir até encontrar outro acesso a área residencial da Casabah. Após encontrar um desses acessos, tive que passar por vários caminhos labirínticos. Demorei alguns minutos para encontrar o outro lado da rua que havia visto estar interditada. Ao chegar ao outro lado vi apenas um soldado bloqueando o caminho, poucos metros adiante onde estavam os outros quatro soldados. Voltei então, para onde estavam o maior número de soldados, dispensando meus outros colegas para visitar a família que o aguardava não muito longe dali. Poucos minutos depois, vários soldados saíram da casa e rumaram para dentro da área residencial. Eram pelo menos dez, sendo que um carregava uma escada de aço dobrável nas costas. Ao total, eram quinze soldados subindo aquela rua estreita. Eu os acompanhei juntamente com alguns membros da TIPH. Após subir um pouco, onde havia uma bifurcação, vi os soldados voltando pela mesma rua em que pouco tempo atrás havia subido. Dessa vez pude ver dois homens palestinos sendo levados por eles, mas sem estar algemados ou vendados, como é de costume. 

Soldados israelenses levando um dos dois homens palestinos com eles, enquanto membros da TIPH os observam

 Os soldados apressaram o passo descendo aquela rua e seguindo para dentro do souq, virando na direção da entrada da Casbah. Atravessaram o souq caminhando em fila rapidamente, sem muitos problemas, já que naquele domingo não havia quase movimento na rua al-Haram, embora domingo seja o início dos dias úteis da semana para muçulmanos e judeus. Segui os soldados a certa distância por todo caminho de volta para Bab al-Baladia, literalmente a "porta da cidade", por onde os soldados costumam a adentrar a Casbah em grande número e para onde costumam levar palestinos detidos antes de serem levados a delegacia israelense local (no assentamento de Givat Ha'avot) ou para alguma prisão. Nesse local estão localizadas o assentamento de Beit Romano, a yeshiva (escola religiosa) dos colonos e uma rua que dá acesso a rua Shuhada, na qual os palestinos estão proibidos de andar desde do ano de 2000. Por ser uma rua de acesso a rua Shuhada e também uma rua que passa em frente a Beit Romano, uma cancela fecha o acesso veicular e um portão o acesso a pedestres. Uma pequena torre adjacente ao portão serve de ponto de vigília dos soldados. Além dessa torre, em frente ao assentamento, acima de algumas lojas de palestinos que estão fechadas por ordem militar de Israel, há um dos vários postos militares israelenses na cidade. Chegando ali, os soldados fizeram como usualmente fazem e passaram pela lateral da cancela e abriram o portão atrás dela. Na rua atrás da portão, algemaram os dois homens e vedaram seus olhos.

Um dos dois homens palestinos sendo vedado

 Voltei, então, para o local onde tudo havia começado e comecei a perguntar aos vendedores locais quem eram as duas pessoas que os soldados haviam levado. Disseram-me o nome completo dos dois indivíduos e desse pai, um homem de meia-idade que possui uma barraquinha de sucos ali perto, onde serve sucos frescos de laranja, cenoura e romã. Decidi ir para junto de meus colegas que ainda estavam fazendo uma visita a família que vive em frente ao assentamento de Avraham Avinu. Estava com eles um dos contatos locais que estava traduzindo para eles. Terminando a visita, chamei meus colegas e o contato local, que nos ajudaria na comunicação, para ir conversar com a família que teve a casa adentrada pelos soldados. Chegamos até lá e conversamos com o pai daqueles dois homens que vi serem algemados e vedados, que nos convidou para entrar. Ele estava pasmo, sem saber o que tinha acontecido. Disse-nos que, inicialmente, viu os soldados passarem em sua frente enquanto estava em sua barraca de sucos, mas não imaginava que iria, para sua casa. Quando percebeu que isso era o que tinha acontecido, foi para sua casa, mas foi proibido de adentrá-la pelos soldados, que também pediram para verificar sua identidade e o revistaram.


O vendedor de sucos sendo revistado após ser impedido de voltar para sua casa, onde os soldados haviam entrado

 Sem ser informado do que estava acontecendo, o senhor de meia-idade esperou até que os soldados saíssem, para sua surpresa, com seus dois filhos. Quando adentrou sua casa, foi logo checar os cômodos de seus filhos e netos, que haviam sido revirados pelos soldados. Não foi dada nenhuma explicação para ele ou para os outros membros da casa a razão de tudo aquilo. Apenas entraram sem pedir licença, revistaram aquele cômodo por uma hora e saírem levando os homens adultos daquela casa, um dos quais residia no quarto revistado com sua mulher e filhos. Perguntamos se por acaso algo parecido havia acontecido antes ou se seus filhos pertenciam a algum partido (o que quer dizer, a algum partido banido, como o Hamas). O senhor respondeu que nenhum dos seus filhos pertencia a algum partido político e que não tinha idéia do porque que eles estariam sendo procurados pelos soldados. Adentrei o modesto cômodo e vi a maioria das gavetas semi-abertas, objetos espalhados pelo chão, muitos outros jogados em cima da cama, colchões e tapetes revirados e amontoados em um pequeno espaço. Não havia visto os soldados carregarem ou levaram nada diferente em suas mãos, e não nos foi informado se algo havia sido levado após a prolongada revista.   

Cama sobre a qual os soldados haviam jogados alguns objetos durante a revista

 Então, para surpresa de todos, os dois filhos do senhor com que conversávamos retornaram a casa em menos de uma hora. Finalmente, pudemos esclarecer o que havia ocorrido. Prontamente lhes foi perguntado o motivo de tudo aquilo. Responderam que haviam sido levados para prestar alguns depoimentos na delegacia de Givat Ha'avot, devido a um "incidente" que havia acontecido no dia anterior. Explicaram-nos que naquele dia (um sábado), como de costume, os colonos israelenses de Hebron fizeram seu tour de uma hora pela Casbah, seguindo por dentro da área residencial, onde circula pouca gente, normalmente apenas os residentes locais. Passaram aquela vez pela rua abaixo de sua casa, ou seja, a mesma que estava sendo bloqueada pelos soldados que os levaram e onde está a entrada para aquela casa. O motivo pelo qual haviam tido sua casa revistada e sido levados para interrogamento, era que, enquanto os colonos e soldados passavam por debaixo da casa durante o tour, algumas coisas pequeninhas caíram (ou foram atiradas) sobre eles. Tratava-se de sementes de frutas que as crianças, filhas de um dos palestinos detido, comiam na janela voltada para rua, enquanto o tour passava abaixo. Em resumo, a razão de 15 soldados terem de fato invadido uma casa sem nenhum aviso e bloqueado uma rua por uma hora, levando dois palestinos adultos para interrogatório, algemando-os e vendando-os para isso, era que crianças deixaram cair sementes em soldados e colonos. Agradecido por tudo aquilo, o pai daquela infortunada família nos levou a sua barraquinha e serviu gratuitamente para mim e para meus colegas sucos de frutas fresco, para retribuir a atenção que tínhamos dado-lhe. Surpreendi-me ao encontrar tanta generosidade de alguém que tinha acabado de passar por tal situação. O olhar doce e o sorriso daquele simples vendedor de suco jamais sairão da minha memória, pois neles vi humanidade mesmo diante das mais insólitas e inaceitáveis situações.


A rua al-Haram, na cidade antiga de Hebron



   












  

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Pichações dos colonos de Hebron

Mensagens de ódios deixadas pelos vizinhos israelenses dos milhares de Palestinos que vivem em Hebron.

A pichação mais comum de todas: "Morte aos árabes" em hebraico. Aqui ao lado da porta de entrada da Escola Fundamental Cordoba para meninos e meninas palestinas. 
Hebron é uma cidade divida entre duas comunidades: a comunidade árabe palestina de um lado, e a comunidade judia israelense de outro, estabelecida após a ocupação israelense da Cisjordânia em 1967.
Desde o princípio, essa última foi estabelecida para "restaurar" a presença judaica na cidade do Patriarca Abrãao, portanto, uma das cidades mais sagradas para o judaísmo (segundo alguns dos colonos, a mais sagrada). Até  ano de 1929, havia uma comunidade judaica em Hebron, que foi dali evacuada após um massacre cometido sobretudo por palestinos das aldeias ao redor. Assim, a iniciativa de estabelecer ali assentamentos judaicos é de um determinado ponto de vista legitimada, em um primeiro momento, pelo que seria uma reivindicação de um direito de retorno. Entretanto, poucos colonos podem sequer provar uma vaga ligação com aquela antiga comunidade, sendo que muitos descendentes dessa são contra os assentamentos. Não obstante, no raciocínio dos colonos, uma propriedade uma vez pertencida por um judeu, pode ser reclamada por qualquer outro judeu, caso essa seja tomada por um não-judeu. No fundo, para os colonos, pertence aos judeus toda a "Terra Santa", que pode ir das margens do Eufrates ao Nilo, mas no qual a Judéia (sul da Cisjordânia) está invariavelmente no centro. Isso significa que os palestinos não tem direito nenhum aquele território e inclusive podem ser expulsos dele. A ideologia religiosa desses colonos prega a limpeza étnica de toda terra de Israel, sendo que essa terra deve ser apenas dos e para os judeus de todo mundo, tendo qualquer outro povo no  máximo o direito de permanecer como convidados. Para os mais radicais, a limpeza étnica não é o suficiente, e muitos desses fazem abertamente apologia ao genocídio dos "árabes" (pois não aceitam o termo palestino). Esse é o caso de muitos colonos de Hebron, que abertamente picham mensagens de ódio e ameaças de morte a todos os "árabes".


Pichação dentro de uma casa palestina abandonada e incendiada há cerca de dez anos por colonos israelenses. Em inglês "Maomé é um porco"
No colina de Tel Rumeida, de frente para o assentamento de Beit Hadassah, encontra-se uma casa abandonada. Mais precisamente, uma casa onde a família foi expulsa, pelo abuso dos colonos e também pelos ou por conivência dos soldados que estabeleceram um posto de vigia acima de sua casa. Após terem sido forçados a sair, os colonos vieram ali, vandalizaram e incendiaram a casa. Não sendo o bastante, picharam a casa com uma série de mensagens de ódio: "morte aos árabes", "vingaça contra os árabes" e "maomé é um porco". Há também um desenho de um árabe de kefiya e nariz adunco sendo enforcado. A família, que ainda é legitimamente dona do imóvel, é probida pelo exército israelense de voltar a sua casa.

Símbolo do movimento KACH como da Liga de Defesa Judaica
Está escrito "Kahane vive"
O antigo partido banido em Israel, KACH, que siginifica em hebraico "assim", e a Liga de Defesa Judaica, nos Estados Unidos, foram fundados por Meir Kahane, um judeu radical de Nova Iorque que imigrou para Israel. Muitos dos colonos em Hebron são de origem americana, especialmente de Nova Iorque. O movimento se fundamenta na idéia de que os judeus são sempre os bodes expiatórios de todo o mundo ("o mundo inteiro está contra nós") e que a terra de Israel (da qual a Cisjordânia faria parte) deve pertencer somente aos judeus, como seu único e legítimo refúgio. Isso significa também a limpeza étnica de todos, ou quase todos, os "árabes" de Israel. Alguns chegam a declarar que aceitariam a presença de árabes no máximo como convidados. Tanto o banido partido KACH, quanto a Liga de Defesa Judaica, são considerados organizações terroristas por Israel e pelos Estados Unidos. Em Israel, iniciamente o partido KACH foi banido das eleições em 1988 por ser considerado um partido racista, de acordo com uma lei israelense passada naquele mesmo ano. Kahane, após ser impedido de participar das eleições em Israel devido a acusação de racismo, foi assassinado em Nova Iorque no ano de 1990. Após um de seus membros, o médico e colono Baruch Goldstein, ter massacrado 29 palestinos na Mesquita Ibrahim em Hebron no dia 25 de fevereiro de 1994, o partido KACH e a Liga de Defesa Judaica foram considerados organizações terroristas. Entretanto, os líderes e filiados desse movimento, ainda que alguns não o sejam hoje tão abertamente, continuam perambulando livremente num dos maiores centros urbanos da população que desejam expulsar, em um dos locais que consideram mais centrais nessa empreitada, a cidade de Hebron, Chevron em hebraico, Al-Khalil em árabe.

Em inglês "Árabes são 'negros da areia'" - Rua Shuhada
Apesar de terem uma ideologia extremista particular, os colonos não estão numa posição oposta ao sionismo ou mesmo a opiniões predominantes em Israel. Embora possam ser vistos por boa parte do público israelense minimamente informado como fanáticos e malucos, os colonos seguem até as últimas consequências a idéia sionista de criar um Estado judeu e agem de acordo com sentimentos preconceituosos em relação aos palestinos compartilhado por muitos israelenses. Não significa dizer que por isso suas ações mais extremas sejam aceitas pela maior parte do público israelense, que sequer é bem informado (ou quer ser informado) sobre o assunto. No entanto, mesmo que o comportamento dos judeus de Hebron fuja da regra, quando não vai diretamente contra ela, e do aceitável em Israel, a presença de um assentamento judaico em Hebron é algo aceito pelo senso comum, mainstream digamos, senão, ao menos o controle do local onde encontra-se o segundo santuário mais sagrado ao judaísmo, a Caverna Machpela. A inclusão desse santuário ao patrimônio cultural e religioso de Israel, embora esteja em território ocupado, não anexado por Israel, gerou protestos da comunidade internacional e manifestações (até com arremessos de pedra) por parte dos palestinos de Hebron. 

"Killing arabs is fun!" = "Matar árabes é divertido!" - Rua Shuhada
Apesar de refletir vários elementos do sionismo e da sociedade israelense, a ideologia da comunidade judaica de Hebron e Kiryat Arba (como de muitos outros assentamentos espalhados pela Cisjordânia) defende métodos e tem objetivos que não só diferem, como contradizem ideais e valores que o Estado de Israel supostamente representa ou deveria representar. Quanto aos métodos, a prática de vandalismo realizada pelos colonos contra residências, mesquitas, platações, oliveiras, animais de criação, pertencentes aos palestinos, não é visto como compatível com o ideal de civilização, com o monópolio da violência e regime das leis que Israel deveria assegurar, já que em grande medida o assegura para seus cidadãos judeus. Quanto aos objetivos, o pensamento ideológico-religioso dos colonos de Hebron defendem a restauração de um Reino da Judéia, sob um regime teocrático, algo definitivamente incompatível com qualquer forma de democracia e/ou de um estado liberal. 

Graffiti representando o Segundo templo reconstruído numa barreira entre o antigo Souq de Hebron e a rua Shuhada, essa última um local onde palestinos são proíbidos de entrar e andar.  

O sionismo religioso predominante no assentamento de Hebron, como em outros assentamentos no interior da Cisjordânia, contradiz não somente alguns aspectos do sionismo secular dos fundadores de Israel, mas vai na contramão do judaísmo tradicional, que não apenas considera um sacrilégio a restauração da soberania judaica antes da chegada do messias (o sionismo), como ainda mais a reconstrução do segundo templo. Sequer pisar no Monte do Templo, antes da vinda do messias, é permitido dentro da crença tradicional e por si só viola uma das obrigações religiosas. Antes da entrada para Esplanada das Mesquitas aberta a turistas, há um aviso dizendo que judeus religiosos não devem entrar no templo. Já para muitos colonos ideológicos e seus simpatizantes, esse é o lugar mais sagrado do judaísmo e, por isso, está sendo profanado pelos muçulmanos, que deveriam ter seus santuários varridos dali e proibidos de adentrar no Monte do Templo ou mesmo em toda Terra Santa de Israel. Após a ocupação israelense de Jerusalém oriental em 1967, houve várias tentivas de explodir ou incendiar a Mesquita Al-Aqsa, sendo impedidas seja pelas autoridades israelenses, seja pela rápida reação dos palestinos, que conseguiram apagar um incêndio provocado por um turista australiano radical no início da década de 1980 antes que causasse mais dano à mesquita.

Estranhamente familiar
A ideologia religiosa dos colonos de Hebron não se limita aos 500-800 que vivem no centro histórico dessa cidade. Ela é compartilhada por cerca de 20% de todos os colonos na Cisjordânia e também por judeus dentro de Israel e em outros locais do mundo, especialmente nos Estados Unidos da América. Isso significa, que de uma população de 450-500 mil colonos atualmente vivendo na Cisjordânia, por volta de 100 mil seriam colonos ideológicos. A distribuição espacial dessa população também é um fato importante a se notar, pois embora haja por volta de meio milhão de colonos na Cisjordânia, a maiora está localizada no lado oeste da barreira de separação, a maioria nos arredores de Jerusalém. Além disso, ali também se localiza a grande maioria dos colonos econômicos, que vieram morar no outro lado da Linha Verde (as fronteiras do Armísticio entre Jordânia e Israel de 1949) devido aos subsídios econômicos, não por uma razão ideológica em particular. Muitos não sabem, ignoram ou não querem saber que estão violando a lei internacional ao se assentarem em um território ocupado. Eles vem morar nos Territórios Ocupados, pois ali podem comprar uma casa com o dobro do tamanho e metade do preço, com excelentes condições de pagamento, além de poderem desfrutar de uma série de subsídios, o que economicamente seria contraditório com o alto custo do aparato militar utilizado para protegê-los, além de toda infraestrutura (autoestradas, encanamento, postes de eletrecidade) apenas para servir a uma população que representa por volta de 5% da população total do país, ou quase 10% de sua população judaica. Já para os colonos que se situam além do muro de separação, que encontram-se no meio dos territórios palestinos ocupados, o grau de investimento em segurança e infraestura é ainda maior. Interessantemente, é ali onde está a maior parte da população colona ideológica, no topo de colinas próxima a vilarejos e populosas cidades palestinas, que tem pouco ou nenhum acesso a onerosa infraestrutura construída para tão exígua população, sem contar o gigantesco aparato militar que serve para protegê-la. Não bastasse a fragmentação do território palestino que as colônias causam, elas são construídas em terras públicas, que deveria ser utilizada em nome do público local, ou mesmo em terras privadas. A "necessidade" de proteger os assentamentos leva as autoridades israelenses a tomarem mais espaço para criarem áreas de segurança para os assentamentos. Em Hebron, muitos postos militares foram construídos acima de casas palestinas. Os colonos ideológicos que vivem no interior da Cisjordânia, e que são protegidos e subsidiados pelo governo israelenses, são as pessoas que mais cometem atos criminosos contra palestinos, como agressões físicas, incêndio de casa e de platações, raríssimas vezes sendo punidos por qualquer um desses atos. A impunidade, somada a conivência e o subsídio governamental, que goza um grupo de pessoas que abertamente clamam pelo expulsam ou genocídio de uma população inteira, isto é, dos palestinos, dificilmente é compatível com um sistema de direito democrático. Entretanto, apesar dos pesares, assim se julga Israel, mesmo ocupando um território por mais de quarenta anos sem dar direitos políticos a população desse, apenas a população israelense que ali habita, infringindo a lei internacional. 

Pichação dos colonos, com uma mensagem não muito clara: "Libertem Israel"
Ativistas adicionaram (libertem) "a Palestina de" (Israel), palavras sob a qual foram pichadas estrelas de Davi


domingo, 25 de setembro de 2011

Imagens da Palestina / Images from Palestine

Graffiti from the Jewish Defense League (JDL) at the street side of wall from Cordoba school, a Palestinian elementary school for boys and girls - Hebron, September 22, 2011 / Pichação da Liga de Defesa Judaica (JDL) no lado oposto do muro da escola Córdoba, uma escola fundalmental palestina para meninos e meninas - Hebron 22 de Setembro de 2011
Palestinian woman passing through a roadblock at Al-Bowereh - Hebron / Mulher palestina atravessando um bloqueio de estrada em Al-Bowereh - Hebron
Soldier standing in front of a Palestinian child while protecting settlers during a Sathurday settler tour around the Old City of Hebron Palestinian neighbourhood,  September 10, 2011 / Soldado parado em frente a uma criança palestina enquanto protege colonos durante seu tour de Sábado pelo bairro residêncial palestino da cidade antiga de Hebron, 10 de Setembro de 2011

Child play: A portrait of an Arab as chicken character, at a door from an abandoned house on the street of the old chicken market of Hebron by the Israeli settler kids. All the other characters (settlers, ortodoxs jews, soldiers) are also represented as chickens. But the thing is, the if you look closely, the "Arab chicken" has a belt full of explosives. In other words: Arab = terrorist. / Brincadeira de criança: A representação de um árabe como um personagem frango por crianças colonas israelenses, numa porta de uma casa abandonada na rua do atigo mercado de frangos de Hebron. Todos os outros persoagens (colonos, judeus ortodoxos, soldados) são também representados como frangos. Mas o fato é que se olhar atentamente pode ver que o "frango árabe" tem um cinto cheio de explosivos. Em outras palavras: "Árabe = Terrorista" 
Hebron settler jogging on Shuhada Street with his "harmless" M-16 machine gun - September 09, 2011, around 2:00 PM. / Colono de Hebron fazendo jogging na rua Shuhada com sua "inofensiva" metralhadora M-16, 09 de Setembro de 2011, por volta das duas horas da tarde.
Many Israeli children are making school trips to Hebron few days  before the Palestinian UN bid. They are probably guided by the local settlers showing their perspective. What is even more concerning is the fact that they are taking children to areas were they are heavily arming and preparing themselves against possible violent incidents in the near future (probably not just "against"). 15/09/11
ISM tent burned down in Sheikh Jarrah - Jerusalem  on September 11 2011 by Israeli settlers , who live in the house on the left, which was build by a Palestinian on his land. As he didn't have the "proper" documents, settlers took it and moved in, though they don't actually live there all the time. They are basically young ideological settler who take turns there to maintain it as a "Jewish place". The Palestinian family who owns the land still lives behind it this house and have to pass through it every time they want to come back home. / Tenda do Movimento de Solidariedade Internacional (ISM) em Sheikh Jarrah - Jerusalém que foi queimada no dia 11 de Setembto de 2011 por colonos israelenses que vivem na casa à esquerda, a qual foi construída por um palestino em sua terra. Como ele não tinha os documentos "apropriados", colonos se apossaram dela e se mudaram para lá, embora não vivam ali o tempo todo. Eles são basicamente colonos ideológicos que fazem uma espécie de rodízio ali para manter a casa um "local judaico". A família palestina que ainda é dona do terreno vive atrás dessa casa e tem que passar ao lado dela para voltar para sua casa.
Tarqumiya Checkpoint - "Office" printer functioning through a power generator. / Check point de Tarqumiya - Impressora do "escritório" funcionando através de um gerador.
Settler children building a treehouse on a Palestinian olive tree while soldiers just stand and watch 09/09/11
While a Palestinian boy hurries to go to school on Shuhada Street - Hebron, a settlers walks by with his M16 machine gun. / Enquanto um menino palestino se apressa para ir à escola na rua Shuhada - Hebron, um colono passa andando com sua metralhadora M16. 21/09/11

Qalandia Checkpoint 20/09/2011. On the picture, the "humanitarian lane" overcrowed. There were at least 50 people waiting, incluing sick people, children going to school and women with babies. This was around 6:30, after there is shift change, when more checkpoint personal come and more lanes are open. What happen though, is that after the shift change, when there more soldiers and private security people, as well as more lanes open, the flow became much more slower than before. Why? According to the Machsom Watch ladies monitoring the checkpoint, it was a form of collective punishment, because of the Palestinian State UN bid that same day. The children going to school weren't able to pass and came back. There were some crushes and an ugly fight between Palestinians at the queue, ending with two of them been taken away by the soldiers and the security personal.

Palestinian workers praying at Tarqumiya Checkpoint during the sacred month of Ramadan. / Trabalhadores palestinso fazendo a primeira oração do dia durante o mês sagrado do Ramadã no Checkpoint de Tarqumiya 14/08/11

Children being body searched by Israeli soldiers in H2 area - Hebron / Crianças sendo revistadas por soldados israelenses na área H2 - Hebron. 25/072011
SILWAN VIEW FROM THE "CITY OF DAVID", AN ARQUEOLOGICAL SITE TURN INTO A SETTLEMENT TOOL BY A PRIVATE ORGANIZATION OF IDEOLOGICAL SETTLERS CALLED ELAD.  A PALESTINIAN HOUSE STAND IN THE MIDDLE OF THE SITE. / SILWAN VISTA DA "CIDADE DE DAVI", UM SÍTIO ARQUEOLÓGICO TRANSFORMADO EM UM FERRAMENTA DE COLONIZAÇÃO POR UMA ORGANIZAÇÃO PRIVADA DE COLONOS IDEOLÓGICOS CHAMADA ELAD.


Settler tour at the Old City of Hebron. / Tour dos colonos na cidade antiga de Hebron, 10/09/11

Soldier randomly search a Palestinian house in Hebron's Old City / Soldados vasculham aleatoriamente uma casa palestina na cidade antiga de Hebron. 25/07/2011

Palestinian family from H2 area receives ICRC (Red Cross) food package / Família palestina da área H2 recebe ração alimentar da Cruz vermelha. Hebron 21/08/2011

Palestinian children pass through soldiers corridor during a settler tour around the Old City of Hebron. / Criança palestina atravessa  corredor de soldados durante um tour dos colonos pela cidade antiga de Hebron. 13/08/2011