sexta-feira, 15 de julho de 2011

A cidade fantasma




A cidade fantasma

Al-Khalil em árabe, Hevron em hebraico, ou simplesmente Hebron para maioria das línguas ocidentais, é uma cidade localizada ao sul da Cisjordânia, território ocupado por Israel desde junho de 1967. É também um dos principais centros comerciais e industriais da Cisjordânia, com a mais alta concentração de milionários nos territórios ocupados da Palestina. Entretanto, ao se aproximar do centro histórico da cidade (cujo nome está relacionado ao profeta Abraão e, portanto, à história do povo hebreu, assim como de todas as religiões que se sucederam), a atmosfera subitamente se transforma. Ruas inteiras com lojas permanentemente fechadas e casas abandonadas, caindo aos pedaços, compõem parte significativa da paisagem urbana do outrora agitado suq (“mercado” em árabe). Adjacente ao suq encontra-se a Mesquita Ibrahimi (ou Caverna Machpela par a os judeus), local onde acredita-se estar enterrado o patriarca das três grandes religiões monoteístas, além de quatro assentamentos israelenses urbanos, os únicos do tipo em todos os territórios ocupados, compostos principalmente por colonos radicais religiosos atraídos pela santidade do local para o judaísmo (A cidade de Hebron é mencionada dezenas de vezes no Velho Testamento). Esse é o coração de H2, designação criada após os tratados de Oslo, que divide a cidade em duas áreas principais: H1 (80% da área do município) sobre controle da Autoridade Palestina, e H2 (20% da área do município) sob controle militar israelense.
Mesquita Ibrahimi

Histórico
A história contemporânea dessa cidade está marcada por acontecimentos violentos, como o massacre contra a população judaica da cidade em 1929, levando a sua subseqüente evacuação, e o massacre cometido dentro da Mesquita Ibrahimi contra os palestinos muçulmanos em 1994. Esses são os dois eventos mais marcantes para as duas comunidades. O primeiro ocorreu ainda durante o Mandato Britânico da Palestina, tendo ocorrido durante um período de grandes tensões entre o Yishuv (comunidade judaica sionista da Palestina) e a população palestina ao redor do Nobre Santuário ou o complexo da Mesquita Al-Aqsa, local onde se acredita que antigamente encontrava-se o Segundo Templo, em Jerusalém. Boatos percorreram a Palestina sobre um suposto ataque ao santuário, o que se revelou infundado, e teria sido um dos principais motivos do ataque por palestinos fora de Hebron contra a comunidade judaica dessa cidade, majoritariamente não-sionista (cuja vinda antecede a chegada dos primeiros colonos sionistas). Aproximadamente 67 pessoas foram assassinadas, os sobreviventes tendo se refugiado no quartel da polícia e nas casas de seus vizinhos palestinos. O restabelecimento dessa comunidade judaica e da presença judaica na cidade de Hebron tem sido o principal pretexto dos colonos para o estabelecimento dos assentamentos no interior da cidade, próximos a Mesquita Ibrahimi.
Os primeiros colonos vieram para cidade após a ocupação da Cisjordânia em junho de 1967, não conseguindo se estabelecer ali, fundaram a o assentamento de Qiryat Arba numa colina nos arredores de Hebron no ano seguinte. Em 1979, os colonos começaram a se estabelecer no centro da cidade, alegando que estavam se estabelecendo em antigas propriedades judaicas anteriores aos massacres de 1929. Ocorreram alguns incidentes violentos entre palestinos e israelenses, alguns envolvendo mortes, mas nenhum se compara ao massacre da Mesquita Ibrahimi em 25 de fevereiro de 1994. Nesse dia, o médico americano e também colono israelense, Baruch Goldstein, adentrou esse santuário, passando armado pelos soldados israelenses que nada fizeram, e abriu fogo contra os fiéis em oração, matando 29 deles e ferindo mais 100, sendo morto pela multidão enfurecida logo em seguida.
Ao massacre seguiram-se medidas repressivas não contra colonos e seus assentamentos, mas contra a própria população palestina que sofreu o ataque e que agora manifestava em protesto. Toques de recolher foram impostos pelas autoridades militares israelenses exclusivamente sobre os palestinos, enquanto os colonos ainda mantinham sua liberdade de movimento. O acesso ao santuário onde aconteceu o massacre foi fechado para os palestinos durante nove meses, enquanto uma nova área era construída e um muro interno dividindo a construção em uma mesquita e uma sinagoga. A rua Shuhada (acesso a maior parte dos assentamentos urbanos) teve todas suas lojas fechadas e o acesso proibido a veículos palestinos. Essa mesma rua foi temporariamente aberta a veículos palestinos em 1997, fechada no ano seguinte e novamente após o início da segunda intifada, que começou em setembro de 2000, sendo finalmente fechada ao acesso de pedestres palestinos em 2001. Essa situação permanece até os dias de hoje, dez anos depois desse fatídico evento.

Atual situação
A existência dos quatro assentamentos incrustados no meio do centro histórico de Hebron (Beit Hadassah, Beit Romano, Avraham Avinu e Tel Rumeida) tem provocado enormes perdas, sofrimentos e humilhações para os palestinos residentes em H2. Freqüentemente os colonos israelenses desses assentamentos, bem como dos assentamos nas proximidades (Qiryat Arba, Giva Ha'avot e Givat Harsina), agridem verbalmente e/ou fisicamente os palestinos e suas propriedades, atirando neles pedras, ovos e tantos outros resíduos ou objetos. Muitos colonos já se apropriaram de residências palestinas, com os quais dividam alguma parede ou chão/teto. Esses incidentes, principalmente as manifestações de violência verbal e física, costumam ocorrer no mínimo semanalmente, quando não diariamente. Os que ainda insistem em permanecer em suas residências não têm outra escolha a não ser enfrentar essas provocações e humilhações. Os soldados israelenses que ali estão para manter a ordem, raramente fazem alguma coisa para impedir essas ações dos colonos, agindo prontamente quando esses são o alvo de alguma retaliação.
Grade sobre a rua Shalala coberta de lixo (02/07/2011)
A difícil quando não insuportável situação fez com que a maioria dos antigos residentes abandonasse suas residências, sobretudo nas proximidades dos assentamentos. Alguns foram expulsos diretamente pelos colonos ou impedidos de retornarem às suas residências após o fechamento da rua Shuhada, além das limitações de acesso em várias outras ruas. Em H2, restam apenas 10% da população que ali residia em 2000, tendo já sido abandonadas quase metade de todas as residências nessa área (15% antes dessa mesma data e 27% depois). Das 1610 lojas licenciadas antes desse mesmo ano, por volta de 650 foram fechadas por ordem militar e mais 700 devido às evidentes dificuldades econômicas, restando apenas 10% do total. Conseqüentemente, oito em cada dez adultos estão desempregados (muitos vivem de ajuda de organizações humanitárias). A renda familiar mensal ali é menos da metade da média palestina. Tudo isso sem falar nas próprias condições de acesso as residências, que se somam às já mencionadas agressões e intimidações dos colonos israelenses que muitas vezes invadem as residências ou as danificam (principalmente com pedras), além de atirarem lixo de suas janelas e varandas que estão voltadas para a rua Shalala (rua localizada atrás dos assentamentos de Beit Hadassah, Beit Romano e Avraham Avinu).




Checkpint 56 - Entrada para rua Shuhada (14/07/2011)
O que ajuda a tornar claramente áreas significativas de H2 em uma cidade fantasma são as dezenas de barreiras (closures), que são compostas por checkpoints, enormes blocos de pedra barrando o acesso a estradas, portões nas ruas e nas estradas, etc. Alguns chekpoints (os parciais) são apenas postos militares com alguns soldados vigiando a passagem dos transeuntes, podendo barrar-lhes acesso inúmeras razões, seja escorada pela lei ou não (ou mesmo no bom senso). A suspeita às vezes é o suficiente para confiscar a carteira de identidade e barrar o acesso seja para onde for por mais de uma hora. O checkpoint entre Bab a Zawiya (um movimentado cruzamento cheio de lojas e restaurantes em H1) e a rua Shuhada (H2) possuí dois detectores de metal. Assemelha-se a um container dividindo a rua em dois. Apenas os habitantes daquelas redondezas podem adentrar a rua Shuhada até o ponto onde é permitido a passagem de pedestres palestinos para o acesso a suas casas. A partir do ponto em frente ao assentamento de Beit Hadassah, onde há um outro checkpoint, o acesso aos palestinos (mesmo pedestres) é expressamente proibido. Entretanto, para os colonos que ali vivem, bem como para qualquer estrangeiro, o acesso é livre e aberto. A rua Shuhada continua até passar à frente de outros dois (Beit Romano e Avraham Avinu) dos quatro assentamentos urbanos, sem que qualquer palestino possa ser visto andando por ela (mesmo proprietários de imóveis nessa rua, onde todas as lojas foram fechadas). 
Rua Shuhada - lojas fechadas e acesso proibido para palestinos (15/07/2011)
Todas essas limitações e perdas são frutos da impunidade das ações dos colonos e das medidas de segurança impostas pelas autoridades militares israelenses para proteger esses mesmos colonos. E afinal, quanto são esses colonos diante de uma população palestina em H2 de aproximadamente 35 mil? São apenas 600 colonos movidos por uma ideologia radical e messiânica que objetiva abertamente judaizar (ou, segundo eles, “rejudaizar”) a cidade de Hebron. Para assegurar o bem-estar desses cidadãos israelenses que, além de estarem violando a lei internacional ao construírem assentamentos em territórios ocupados (artigo 49 da Quarta Convenção de Genebra),  violam abertamente a ordem pública, a IDF (Israeli Defense Forces) mobiliza cerca de 1.500 soldados. Eles estão distribuídos por todos os cantos da área H2 onde existe algum acesso, alguma rua ou alguma viela para a área onde esses colonos israelenses residem. Um aparato custoso e uma mobilização de significativo contingente militar para exercer uma função policial. Em suma, são 95 barreiras dos mais variados tipos, câmeras, postos militares e cerca de 1.500 soldados agindo como guarda costas de algumas centenas de colonos fanáticos que sustentam abertamente uma ideologia teocrática, por definição anti-democrática, que endossa a discriminação, o ódio, a violência, a limpeza étnica e outras tantas crenças e valores supostamente retrógrados.  Isso contradiz a imagem divulgada pela propaganda sionista e pró-sionista de Israel como um país liberal e moderno. Como diz o título irônico desse blog tomado do livro de Arno J. Mayer (Plowshares into Swords), ao invés de espadas converterem-se em arados, é possível dizer metaforicamente que foram os arados (dos colonos) que se converteram em espadas.

Pichação assinada pela JDL (Jewish Defense League) nos muros externos da Escola Cordoba.






2 comentários:

  1. Jibril, parabéns pelo excelente trabalho aí em Hebron, Palestina. Que a justiça e a paz reinem na Terra Santa.

    Emir

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  2. Parabéns pelo belo trabalho, isso nos enche de orgulho pelo que vc faz e pelo que vc é.
    Bjs Mariza e Jauro

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