segunda-feira, 25 de julho de 2011

A propaganda dos colonos israelenses de Hebron


Como em todo lugar onde há conflitos, em Hebron também há narrativas conflitantes. Existe por um lado, a narrativa das pessoas cuja a existência social e cultural está há muito ligada a essa terra, através das linhagens familiares locais que formam a base da ordem social hebronita (ainda em grande medida tradicional e clânica). Há, como sempre, inúmeras narrativas, histórias de vida e relatos de vidas marcadas diretamente ou indiretamente por uma série de experiências individuais e coletivas com algo que se resume normalmente em uma palavra: Ocupação. Entretanto, a realidade peculiar criada pela Ocupação também produziu narrativas dos ocupantes, sejam civis israelenses, soldados ou colonos. Eles também não são homogêneas, mas especialmente no caso dos colonos ideológicos e/ou religiosos, apresentam algumas características comuns. No caso específico dos colonos de Hebron, os porta-vozes da colônia utilizam-se de argumentos recorrentes na propaganda sionista, especialmente o da vitimização, como também de argumentos que soam familiares, mas não costumam fazer parte da propaganda oficial de Israel, como o que diz que toda essa terra foi dada aos judeus por Deus. Como pode ser visto nos escritos abaixo, há uma tentativa de equilibrar argumentos relativamente mais racionais e moderados, utilizando de mapas e estatísticas, com os argumentos religiosos e ideológicos mais exclusivistas, que fogem de qualquer compreensão humanista da realidade.


Acima está uma carta redigida pelos porta-vozes da comunidade de colonos israelenses de Hebron dirigida às organizações internacionais que operam nessa cidade e datada de junho de 2005.

Um dos primeiros argumentos da carta acima é sobre a proibição de entrada de judeus e cristãos para o santuário, de 1267 à 1967. É de modo geral um argumento racional, baseado em fatos históricos e no direito universal de poder praticar sua religião e de ter acesso aos locais sagrados desta. A data de 1967 carrega uma mensagem implícita, a da ocupação da Cisjordânia (Judéia e Samaria para os israelenses) pelo exército de Israel, que "liberou" o acesso ao santuário para judeus e cristãos (bem como para pessoas de todas as religiões). Interessante notar a menção a data de 1267, data da conquista mameluca da cidade, sem mencionar a razão dessa data e por que não havia essa proibição nos anos anteriores, sendo que muçulmanos governavam essa desde sua captura em 637, excetuando o curto período em que esteve sob domínio dos cruzados. Não menciona que outros soberanos muçulmanos permitiram o acesso a judeus e muçulmanos do santuário anteriormente à consquita mameluca, seguida pela otomana. Outro fato omitido, é que após a ocupação de Hebron, são as autoridade israelenses que controlam o acesso ao santuário. Além disso, após o massacre de 29 muçulmanos em reza ali cometido pelo colono israelense de origem americana, Baruch Goldstein, foram as autoridades israelenses que impediram o acesso a entrada para o muçulmanos e ergueram um muro dividindo o santuário dos patriarcas (a mesquita Ibrahimi) em duas partes, sendo a uma das metades dali em diante uma sinagoga.

Outro fato histórico levantado é o do massacre de 1929, cometido contra a comunidade judaica de Hebron de então, que havia se instalado ali antes da imigração de caráter sionista, e que deixou 67 pessoas mortas (tanto homens, quanto mulheres, quanto crianças e idosos). Não há aí qualquer contextualização desse massacre que ocorreu, como a própria carta reconhece, após século de convivência "pacífica" entre muçulmanos e judeus na cidade. Também não menciona, conforme se sabe pelas fontes da época, que os atacantes não eram da cidade de Hebron (pelo menos majoritariamente) e que muitos judeus foram salvos porque seus vizinhos palestinos os acolheram e os protegeram contra os ataques. Não há qualquer menção ao contexto político da Palestina naquela época, que estava sob Mandato britânico, que privilegiava a imigração e o estabelecimento de um lar nacional judaico nesse país. Isso significou imensas compras de terras que na época já havia resultado no desapossamento de vários palestinos. As aspas em "pacíficos" e "árabes amigáveis" parece atenuar a responsabilidade do incidente passada para a figura do Mufti Amim el-Husseini, que parece ser a única explicação desse acontecimento após séculos de convivência "pacífica". Implicitamente, a linha argumentativa do texto está expondo que os "árabes" (jamais são mencionados como palestinos) possuem uma espécie de ódio irracional contra os judeus (o que não necessita maior explicitação dentro de uma perspectiva que sempre vitimiza os judeus), que por isso impedem violentamente os judeus de voltarem para suas casas e matam velhinhos e crianças sem qualquer motivo (sem dizer se são ou não pessoas que de fato moravam ali ou descendentes desses e estão retornando). Por fim (na primeira página ainda), argumenta-se que, conforme o acordo de 1997 entre Israel e a OLP, 90% da cidade foi dada aos árabes, sem qualquer acesso aos judeus e que qualquer judeu que entrar nessa área será imediatamente assassinado. Em nenhum momento o acordo fala em judeus, e sim em israelenses. Esse assunto, sobre a utilização do termo "judeu", ao invés de israelense, e sobre a separação da cidade será retomado mais adiante.




A segunda página da carta começa se referindo a suposta "ameaça islâmica", discurso já bastante difundido na Europa e nos Estados Unidos, que tenta alertar o "Ocidente" dessa invasão e do fim dessa gloriosa civilização diante da suposta "invasão muçulmana" já estaria em curso especialmente na Europa. Não é nenhuma surpresa que esses colonos se utilizem dessa mesmo discurso que tem se popularizado entre a direita européia, para tentar convencer os supostos europeus e americanos que constituem a maioria dos membros dessas organizações de que eles estão do lado errado. Não somente do lado errado, aliás, mas no lado do inimigo que irá destruí-los no futuro e contra seu mais precioso aliado "natural", Israel. Isso deveria soar um tanto familiar diante das notícias recentes ao redor dos atentados em Oslo e, principalmente, das alegações e justificações de quem os cometeu, especialmente seu manifesto de mais de 1.500 páginas. O mesmo tipo de ideário islamofôbico presente nesse manifesto e em tantas outras páginas da internet transparece nessa carta. Uma das mais evidentes manifestações daquilo que se convencionou chamar de orientalismo (convenção ainda em disputa, diga-se de passagem) é a menção a escola "Cordova" (também Cordoba ou Qurtuba) e com ecoa um sonho islâmico imemorial de reconquista das "antigas terras islâmicas" da Europa. A descrição da escola na carta, que a caracteriza como uma escola jihadista islâmica, distorce completamente o caráter dessa escola laica fundada para educação de meninas em 1971 e que hoje é uma escola mista. Antes de tudo, como uma escola mista (para meninos e meninas) se encaixaria na descrição estereotipada de uma escola "jihadista islâmica", na qual a segregação entre homens e mulheres que não sejam membros da mesma família deveria ser obrigatória (ou mesmo a educação de mulheres deveria ser um tabu)? Além disso, coloca que a escola está localizada provocativamente em frente do assentamento (ou colônia) de Beit Hadassah, sendo que a escola foi fundada em 1971 e a colônia em 1979. O texto tenta ao fim relacionar essa escola mista de ensino fundamental, patrocinada por fundações suecas e catalãs, ao "terrorismo islâmico global", responsável pela destruição do World Trade Center em Nova Iorque, o que é prenunciado como apenas o começo. 

Ironicamente, após essa referência implícita aos perigos comum à civilização judaico-cristão ocidental (termo que há um século atrás faria tanto sentido quanto civilização cigano-cristã), a qual obviamente Israel faz parte integral, acusa os membros organizações internacionais de nutrirem um sentimento antissemita inculcado durante século de perseguição cristã contra os judeus na Europa. Ou seja, aqueles que foram durante séculos as maiores vítimas de perseguição por parte dos cristãos são parte essencial dessa civilização (termo que normalmente se refere a algo profundamente enraizado na história) que buscou excluí-los durante tanto tempo? O que a carta caracteriza como o ódio histórico (dos cristãos) contra os judeus e o que é visto como seu corolário, o Holocausto, não parece contradizer o fato de que seriam vítimas comum de uma ameaça aparentemente muito maior, o terrorismo islâmico, que até hoje não causou uma mínima fração das mortes ocasionadas pela perseguição dos judeus na Europa (mesmo sem considerar o Holocausto).

Até esse momento o discurso da carta parece centra-se em dois argumentos bem difundidos (mesmo convencionais) no Ocidente: o da vitimização dos judeus e o da ameaça islâmica. Ao final, entretanto, o discurso presente na carta manifesta argumentos mais especificamente ligados a referências messiânico-judaicas e sionistas, como o termo "Eretz Yisrael". De modo mais drástico, refuta a "alegação" que os judeus em Hebron sejam ocupantes e afirma que "estrangeiros, como vocês, e nossos vizinhos árabes assassinos é que são os verdadeiros invasores e ocupantes da nossa terra". A carta, que começou utilizando argumentos relativamente racionais e baseados em alguma forma de evidência, termina expondo completamente a fundamentação ideológico-religiosa dos colonos ao legitimar sua presença em argumentos não-racionais, como a "divina justiça" e a "vontade divina". Entretanto, não deixa de buscar alguma espécie de identidade comum com o público ao qual esta carta está direcionada, alertando mais uma vez contra as ameaças do terror árabe-islâmico contra o "mundo livre", do qual, obviamente para eles, ambos fariam parte. A importância desses argumentos finais não é só enfatizada por estar na conclusão do texto, mas também pelo realço dado pela marcação em negrito. No fim, o que fica claro é que os colonos (simplesmente os judeus para eles) estão do lado do bem, da "luz", da verdade, da justiça e da moralidade, enquanto os "árabes-muçulmanos" estão do lado do mal, da tortura, do assassinato e do terror, em fim, contra a vontade divina. Cabe aos ocidentais não-judeus, que não se encaixam automaticamente em nenhuma categoria, escolherem o lado certo, ou seja, o dos colonos judeus.

Folder sobre Hebron publicado pelos colonos hebronitas

O recorte acima é a página inicial de um folder publicado pela Comunidade Judaica de Hebron (com endereço no assentamento de Kiryat Arba) para mostrar os "fatos reais" conforme a perspectiva da mesma. O título do folder é revelador do discurso da vitimização que embasa os argumentos e a narrativa dos "fatos reais". Desigualdade e discriminação são sem dúvida conceitos com uma forte carga semântica negativa especialmente quando se tem por pano de fundo uma longa história de perseguição contra o povo judeu, a qual o caso de Hebron se encaixaria perfeitamente. O subtítulo sublinha e reforça essa idéia ao falar de uma falsa propaganda, anti-judaica e anti-israelense (estranho é o fato de não utilizarem o já saturado termo antissemita). Embora não seja possível apenas a partir do texto precisar o por que do fato de separarem anti-judaica de anti-israelense, sendo que muitos defensores do sionismo os consideram quase sinônimos, isso pode ser devido tanto a uma atenção pelo público alvo que não possui essa perspectiva, quanto por um messianismo particular aos colonos que diferem os israelenses dos "verdadeiros judeus". Entretanto, ao falar dos colonos israelenses em Hebron, o texto se refere a eles sempre como "judeus", jamais como israelenses. Apenas aquilo que se refere a autoridades estatais (seja civil, política ou militar) é que recebe a alcunha de israelense.

Embora as primeiras palavras que apareçam no folder sejam desigualdade e discriminação em vermelho e em letras maiúsculas, um olhar mais atento para a primeira definição de Hebron como uma "cidade judaica", não "árabe", mesmo reconhecendo que a maioria esmagadora da população (aproximadamente 200 mil) seja constituída por árabes palestinos, revela o que de fato esses termos significam para os colonos. O texto segue expondo inúmeros fatos históricos que autentificariam e justificariam as reivindicações de uma presença judaica nessa cidade tão importante para o judaísmo. Como argumento central, há a reitarada referência ao massacre de 1929, que resultou na evacuação da comunidade judaica de Hebron pelas autoridades britânicas. Portanto, os colonos estão fazendo algo perfeitamente legítimo ao retomar as propriedades roubadas dos antigos proprietários judeus ao povo judeu, como se uma propriedade de um cristão ou de um muçulmano a fizesse uma propriedade cristão ou muçulmana. Pouquíssimos colonos judeus conseguem provar qualquer grau de parentesco com os antigos proprietários dos imóveis de Hebron. De qualquer modo, isso não justificaria o direito de se apossar ilegalmente dessas propriedades, sem qualquer respeito pelas leis locais ou pelos atuais proprietários. Sem falar, é claro, que direito similar não é dado aos milhões de refugiados palestinos para retornarem as vilas e cidades, tomadas ou destruídas em 1948, das quais foram expulsos   milhares desses ou seus pais e/ou avós. Outro dado que não é mencionado, é que hoje a população judaica é muito maior do que era em 1929 e ocupa uma área muito maior que a comunidade anterior a 1929 ocupava.

Mapa das divisões da cidade em H1 e H2 segundo a perspectiva dos colonos (do mesmo folder)

Placa dos colonos na Rua Shuhada indicando H1 e enfatizando: "Acesso proibido para judeus!"

Uma das principais alegações dos colonos judeus de Hebron é que a comunidade ocupa um espaço ínfimo (aproximadamente 3%) de toda a suposta "imensidão" que é a cidade de Hebron. Fica a pergunta, quanto espaço deveria ocupar uma comunidade de menos de mil judeus em uma cidade de 200 mil habitantes? A divisão da cidade conforme os protocolos de Hebron de 1997 deu uma área (H2) para o controle militar israelense, que equivale a mais de 10% de toda a cidade e onde moram atualemente 35 mil pessoas. É possível perguntar que igualdade há em uma população de poucas centenas de judeus levar a 35 mil pessoas viver sob controle militar israelense. Não há qualquer menção as ruas e áreas cujo o acesso é proibido aos palestinos, as seiscentas lojas fechadas por ordem militar e aos milhares de habitantes originais da área que a deixaram devido essa situação. E quanto a expressão utilizada para definir a H1 e a maior parte de H2, "área proibida para judeus", simplesmente ignora que em nenhum momento o termo "judeu" aparece nos protocolos de 1997 ou em qualquer acordo com a Autoridade Palestina para designar as divisões que foram acordadas junto a Israel. A área H1 tem o acesso proibido (embora não totalmente, já que o exército israelense pode fazer incursões) aos cidadãos israelenses, não a judeus, pois judeus que não possuam cidadania podem andar e andam por H1. Outro dado é que boa parte de H2 aparece também como proibida para judeus, sendo que a única coisa que se proibe é a construção de mais assentamentos, pois toda propriedade israelense adquirida em território ocupado é considerada pela lei internacional como tal. De fato, boa parte de H2 tem áreas de acesso restrito aos palestinos, com ruas onde somente veículos israelenses podem passar, e os palestinos que ali vivem devem caminhar a pé.

A alegação acima de que a "Autoridade Palestina deliberadamente opera e estabelece instituições na área com o propósito expresso (escrito!) de "estrangular" a comunidade judaica atraindo um número maciço de árabes" é uma interpretação muito etnocêntrica da realidade criada pelo próprio estabelecimento de uma comunidade de colonos num território sob ocupação. De fato, o Conselho de Reabilitação de Hebron busca manter a presença palestina na área contra a expansão ilegal dos assentamentos israelenses na cidade e contra a queda no padrão de vida ocasionada por todas as restrições criadas para proteger os colonos, já que a maior parte da população deixou essa área. Qualquer culpa dos colonos pela saída dos árabes e pela mudança do centro comercial para o lado ocidental da cidade é eximida em seguida ao declarar que "devido a processos geo-econômicos de longo prazo (o que não tem nada a ver com a comunidade judaica), o distrito central de negócios da cidade moveu-se para o lado oeste da cidade". O texto omite que onde se localizava o antigo mercado de verduras e de carnes tornou-se parte da área de exclusão militar onde se encontra o assentamento de Abraham Avinu, como também que todas as lojas da rua Shuhada foram fechadas, além a rua do mercado de ouro (onde eram vendidas jóias e metais preciosos). Para qualquer um minimamente familiarizado com o assunto, é uma distorção completa dos fatos retratar o esvaziamento do antigo centro comercial de Hebron como fruto "processos geo-econômicos de longo prazo", quando existem mais de seiscentas lojas fechadas por ordem militar israelenses, inviabilizadas por todas as restrições ao acesso para palestinos, lojas destruídas por colonos que a invadiram, não apenas fatos, mas ordem militares israelenses que obviamente continuam em vigor (e que são muito bem conhecidas pelos colonos, aliás). 

Outro fato distorcido é a alegação de que a maioria dos estudantes da escola Cordoba vem de outras partes da cidade. Dos aproximadamente 130 estudantes dessa escola (o que costumava ser em número muito maior antes do assentamento), apenas 30 vêm de regiões fora de H2 e tem que passar pelo checkpoint 56, onde  são frequentemente revistados pelos soldados estacionados ali, embora exista um acordo com as autoridades israelenses para que não tenham que passar por isso. Além disso, as crianças dessa escola são frequentemente alvos de agressões verbais e/ou físicas por parte das crianças dos colonos que vivem ou circulam por Beit Hadassah. O soldado estacionado no checkpoint 55, ao lado desse assentamento, dificilmente faz algo para proteger as crianças palestinas, embora aja prontamente para assegurar a dos colonos. A escola é sim uma resistência à expropriação e ao esvaziamento dessa localidade devido a presença dos colonos. É também a persistência dos comerciantes que continuam mantendo sua loja atrás do assentamento de Beit Hadassah, do qual estão sujeito a inúmeros agressões e danos a suas propriedades, a ponto de grades terem que ter sido colocadas sobre suas lojas para protegê-los. De fato, a maioria das lojas diretamente abaixo do assentamento (que se expandiu para cima delas) não estão funcionando. Quanto à justificação econômica, a rua Shalalah (que fica atrás do assentamento) é simplesmente uma das principais ruas do centro comerciais da cidade de Hebron. É possível extrair desses argumentos que a judaização da cidade antiga é legítima e necessária, enquanto a persistência dos residentes e comerciantes é ilegítima e desnecessária.  É isso que querem dizer por discriminação e desigualdade?


Texto do já mencionado folder sobre a questão do acesso à propriedade para "árabes" e "judeus"
As principais alegações acima são que os "judeus" (novamente o mesmo termo) são privados de quase todos seus direito à propriedade, enquanto os "árabes" podem construir edifícios enormes, como aquele apresentado na foto. Em primeiro lugar, o suposto "direito à propriedade" é restrito a israelenses, não judeus. Há também uma referência a propriedade confiscada pelo governo jordaniano após a conquista dessa região em 1948, após quase vinte anos sem uso, apesar de supostamente os "árabes" terem matado e expulsado os judeus dali "sem nenhuma razão" (novamente a descontextualização). As leis que Israel aplica nos territórios palestinos apenas para esses, é que uma terra confiscada após três anos sem uso torna-se propriedade do Estado, sendo o Estado a força ocupante e não uma autoridade palestina. Essas terras frequentemente são incorporadas a assentamentos, ou seja, para os cidadãos de outro país. Também é mencionado como Israel transferiu as propriedades do governo jordaniano para si, "deixando a injustiça continuar", ou seja, os "árabes" que as alocam continuaram a fazê-lo. Mas afinal, como os colonos conseguiram se estabelecer ali se o governo continua alugando para os "árabes"? Em seguida há a acusação contra o próprio governo israelense (que é uma potência ocupante, não um governo local legítimo) de privilegiar os "árabes" e não permitir que as propriedades dos antigos habitantes judeus sejam reclamadas pelos colonos. E quanto as propriedades dos palestinos que fugiram ou foram expulsos em 1948 dos atuais territórios de Israel? Nisso certamente não há qualquer discriminação ou desigualdade pelo governo israelense, não? De fato, como é mencionado acima, a venda de propriedade à israelenses, que não estão sujeitos a lei local e sim a israelense, é visto como um crime sujeito à pena capital. Trata-se de uma medida extrema contra uma situação extrema que é continuo desapossamento dos palestinos de sua terra, que são efetivamente incorporadas a Israel quando compradas por um israelense.

O edifício destacado na foto acima está perfeitamente dentro das regras estabelecidas nos Protocolos de Hebron de 1997, pois está na área H1, sob administração da Autoridade Palestina. Como em qualquer outro lugar definido como área A nos acordos de Oslo, há uma placa na entrada na cidade onde pode-se ler: "ENTRADA PROIBIDA PARA ISRAELENSES. ENTRADA ILEGAL PELA LEI ISRAELENSE". Enquanto isso, nas áreas B e C, toda nova construção precisa de autorização do exército israelense, o que raramente é conseguida. Somente a área C, que está sob controle total das autoridades militares de Israel, constitui 60% da Cisjordânia. Nessas áreas, os assentamentos continuam se expandindo livremente. Enquanto isso, no pouco que resta da Cisjordânia, como uma área de significativo valor histórico e religioso como o centro histórico de Hebron, os palestinos continuam se agarrando firmemente a cada pedaço de terra que lhes resta. É isso que leva a Autoridade Palestina a subsidiar a moradia dos palestinos que resolvem permanecer ali e de outros que para lá se mudaram devido a esses subsídios que são basicamente isenção de impostos e taxas, água e eletricidade gratuita, entre outros, conforme mencionado no texto. A maioria desses subsiste a base rações distribuídas pela Cruz Vermelha, já que o emprego atualmente chega a 70% (poucos anos atrás era 80%). Diferentemente do que é alegado, as residências não foram de forma alguma forçosamente transferidas para Autoridade Palestina, já que uma das coisas que os proprietários mais temem é que elas sejam tomadas pelos colonos. Essas foram alocadas gratuitamente para algumas das pessoas mais pobres de Hebron, as únicas dispostas a mover-se para o que é definido no texto acima como a "área judaica", embora os habitantes judeus não constituam 10% da população ao redor do centro histórico, muito menos de H2.



As restrições aos movimentos mencionadas acima começaram ser impostas após o massacre da Mesquita Ibrahimi de 1994, criando grandes áreas de isolamento para proteger as colônias israelenses, da qual proveio o responsável pelos massacres. Nenhum acontecimento na mesma escala foi cometido por militantes palestinos contra os colonos da área, sendo que último ataque havia sido realizado 12 anos antes. Ainda assim, como medida de segurança preventiva, o exército israelense isolou a rua Shuhada (apenas para os palestinos), enquanto nenhuma restrição do tipo foi imposta aos colonos. Após os "Acordos de Hebron" de 1997, as divisões H1 e H2 foram criadas e assim também as restrições de movimento para israelenses também, que antes não existiam legalmente. A área H2 é um território da Cisjordânia sob controle militar israelense, e não uma "zona israelense", como definida acima. Atualmente 35 mil palestinos ali vivem e tem movimentação restrita mesmo para voltar a suas próprias casas, enquanto há acesso irrestrito por veículos (inclusive ônibus israelenses) para todas as residências dos colonos. Os locais onde os colonos supostamente não podem ir em H2, são áreas de controle militar israelense, portanto, depende de Israel dar ou não acesso a eles. De fato, todo sábado são realizados tours pelos colonos ao redor da cidade escoltados por pelo menos 15 soldados. Durante a intifada, quando havia toques de recolher que duravam dias inteiros, os colonos andavam livremente por H2 sem encontrar nenhum palestino. Por fim, como já foi explicado anteriormente, não foram os perpetradores de violência (o massacre de 1994) que tiveram que sofrem restrições em sua movimentação, como é afirmado no trecho acima. Restrições sim foram impostas a vítimas de violências: os palestinos, muito menos que os perpetradores e, também, vítimas de violências normalmente em escala muito menor. Entre 2001 e 2003, aproximadamente 22 israelenses foram mortos por militantes palestinos ali, a maioria (17) soldados. Nessa mesma época, mais ou menos 88 palestinos foram mortos por soldados e colonos israelenses, dos quais 46 eram civis que não estão participando das agressões. Desde 2003, nenhum israelense foi morto em H2. Entretanto, as restrições continuam.


Raramente a polícia israelense pode ser vista em H2, a única que pode aplicar a lei sobre os cidadãos israelenses, enquanto os palestinos estão sujeitos às leis militares israelenses, embora não sejam sujeitos de direito em relação ao Estado de Israel, direito ao qual os colonos gozam mesmo em território ocupado. Frequentemente, por todo o território ocupado, palestinos são sujeitos a agressões, danos à propriedade e outros tipos de assédios por parte dos colonos israelenses, contra quem a própria lei israelense raramente é aplicada. Quanto aos soldados israelenses que estão por todo território e maciçamente em H2 (1.500), não cabe a eles aplicar a lei israelense sobre os colonos. De fato, ocorre amiúde dos soldados protegerem esses enquanto cometem todo tipo de agressão verbal e física, invasão de propriedade, dano à propriedade e incitação contra os palestinos. A violência letal não costuma ser a tática mais frequente, embora o seja no caso de militantes palestinos que querem vingar esses abusos violentamente. Isso resulta normalmente em mais restrições, confisco de terras, etc, para os palestinos. Porém isso não para por aí, pois serve aos colonos como escusa para aumentar seus abusos, como as já mencionadas acima. O texto acima alega que apenas quando a violação das leis pelos "árabes" alcança o nível de terrorismo é que a lei é aplicada. O que não menciona é que a mais simples agressão cometida pelos palestinos pode ser considerada um ato de terrorismo, mesmo em relação a crianças. Se um israelense atira uma pedra em um palestino, esse, apenas se houver um policial por perto, pode ser detido por 24 horas sem ser apresentado diante de um tribunal. Para os palestinos que cometeu a mesma ofensa, ele pode ser detido por oito dias antes de ser apresentado diante de um tribunal. Isso quando não sujeito a "detenção administrativa", na qual pode ser detido por seis meses sem nenhuma acusação formal, tempo que pode ser renovado indefinidamente. Enquanto há milhares de prisioneiros palestinos, inclusive crianças, em cadeias israelenses, não há sequer um colono preso pela Autoridade Palestina por qualquer lei que tenha violado. Segundo a própria lei do Estado de Israel, enquanto nos territórios, qualquer israelense está sujeito apenas à lei israelense e, portanto, às autoridades israelenses. Ainda assim, os colonos alegam discriminação e desigualdade em relação a eles. É evidente que existe discriminação e desigualdade nos territórios ocupados por Israel, mas conforme é possível perceber pelas várias informações aqui apresentadas e omitidas pela propaganda oficial israelense e mais ainda pela advinda dos assentamentos, não são os colonos as principais vítimas, mas sim aqueles que estão sob o jugo de uma ocupação extrangeira há mais de 40 anos: os palestinos.


Acusação contra as entidades internacionais que operaram em Hebron de provoção, incitação e antissemitismo.


Resumo das alegações e reivindições dos colonos de Hebron:
"A comunidade judaica de Hebron exige:
PAREM COM A DISCRIMINAÇÃO!
* Assegurem o direito de livre e segura movimentação para os judeus em todas as partes de Hebron.
* Assegurem os direitos aos judeus de possuir, comprar e habitar propriedades por toda Hebron.
* Parem com a propaganda hostil e racista contra os judeus de Hebron.
* Que sejam banidos os incitadores, antissemitas, racistas e anti-israelenses de Hebron.
* Terminem com a discriminação na aplicação da lei e dos direitos civis e religiosos."

Possíveis indagações sobre exigências acima:
1. Discriminação contra quem?
2. Devem os "árabes" também ter direito de livre circulação pela "área judaica"?
3. Devem os "árabes" também ter direito sobre suas propriedades que foram roubadas e/ou danificadas?
4. Devem as organizações internacionais pararem de reportar o que acontece em Hebron?
5. E quanto ao direito à liberdade de expressão e de ir e vir?
5. O término dessa discriminação deve se estender aos "árabes" também?

Mural pintado pelos colonos na rua Shuhada sobre a captura de Hebron em 1967: "Liberdade, Retorno, Reconstrução"

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